Antigamente, o abrigo da
Funai ficava
próximo da minha antiga casa. Não sei se ainda é lá, enfim, deixarei aqui um exemplo de analogia que ouvi, aprendi e me motiva cada vez mais a compreender e
não somente
entender o "outro". Estive de volta à cena de 4 anos atrás...
Quando trabalhava no Governo participei da comitiva que
recepcionou um grupo de
indígenas da
região. Achava aquele povo vestido e pintado muito estranho. Uns pegavam em meu cabelo e riam, outros puxavam a alça do meu
minúsculo soutien, outro enfiou o dedo no meu nariz, espirrei
pacas e eles só riam de mim.
A comitiva os levou em alguns pontos
turístico daqui, primeiro foi no mercado Municipal onde tem comida pra todo lado. Eles estavam
pasmos com tanto alface, tomate, laranja. Lembro dos olhos deles latentes em minha memoria, olhavam como se fossemos nós entrando num cofre cheio de dinheiro, assustados com tanta fartura.
Um deles perguntou de mim: O que ele está fazendo?
-Apontando ao chão um menino negro, pobre (nós
sabíamos pelas roupas que era pobre, eles não saberiam distinguir) pegando tomate estragado, batata já moída e colocando num saquinho.
Para nós, isso seria normal. Respondi a ele: -
Ué, ele está pegando comida!
Eles continuaram andando
conosco, calados, atentos, os olhos arregalados.
E eu, prestando muita atenção naqueles seres estranhos*
Uns 15 minutos se passaram...O índio disse: Eu
não entendi. Por que ele está pegando essa
comida estraga aqui do chão, e se tem uma pilha de comida boa?
Respondi: é que para pegar comida boa precisa de dinheiro.
-E ele não tem dinheiro?
-Não tem.
-Por que não tem dinheiro?
-Ele não tem dinheiro porque ele é criança.
-E o Pai dele tem?
-Não, o Pai dele não tem.
-Não entendi. Por que
você que é grande, tem e o Pai dele, que é grande, não tem? De qual pilha
você come, dessa aqui ou a do chão?
-Dessa aqui.
-Por que?
-Sabe o que é? É que aqui é assim...
Os caciques falaram uma coisa que eu nunca esquecerei: Vamos embora.
Disse o cacique.
Não, eles pediram foi para ir embora da cidade, do mercado, da vida junto do branco. Veja como são selvagens.
Eles
não conseguiram compreender uma coisa tão
óbvia. Que uma criança faminta diante de uma pilha de comida boa, pega comida podre.
"Eles não
são civilizados"-diríamos
Sabe como eles passariam batido e nem repararia na cena?
Se tivessem sido criados em algumas das nossas
famílias, se tivessem ido em igrejas, frequentado algumas das escolas que frequentei, se tivessem acesso a
net. Ai eles achariam aquela cena normal.
O que está acontecendo? Será que nos
distraimos em algum momento e a nossa
ética não é a da
convivência, mas a do outro como inimigo? "Ah, mas aqui é assim."
Violência? Aqui é assim. Eu já fui assaltada e agora tenho duas bolsas, a minha e a do ladrão. A minha fica
embaixo do banco. Eu uso carro blindado, etc...Claro, a gente vai criando meios de nos acostumarmos ao "normal. Normal? Estamos anestesiados.
Ah Deus, como queria ter vindo
árvore.