sexta-feira, 17 de junho de 2011

Memória da infancia

Nunca tinha parado a pensar sobre o que um conhecido me disse:( Julie, por que você sempre explica tudo que fala?  Não precisa, eu sei entender as coisas, tenho uma mente aberta.)

Quando eu era pequena guardava os meus pensamentos dentro de mim e resolvia sair para brincar, ouvia  os meus coleguinhas conversarem sobre as coisas que eu dedicava meu tempo pensando, mas nenhum deles parecia ter fascínio por nada, como se nada daquilo fosse importante, não tivessem valor. Minha avo só reclama de mim à mamãe. Dizia que eu era maluca, que tinha de me levar ao médico, porque eu falava com formigas e gatos. E, que todo cachorro "pirento" da rua, eu levava para dentro da casa dela. 

Aquilo me fazia ser maluca e, menos amada pela minha avó. Eu lembro da única vez que ela me abraçou, foi quando eu menstruei pela primeira vez. Aquele sentimento, de ser abraçada por ela, enrijeceu meu corpo e, como num súbito mortal amar, estivesse a me apunhalar. Meu corpo nunca conseguiu conectar as sensações de prazer quando surpreendido por sentimentos distantes. E nunca consegui amar minha avó, como vejo as crianças o fazerem. Eu tinha aquele respeito reciproco em osmose por minha mãe. 
Eu sentia as vibrações de vovó, a amargura, o desamor dela como mulher. 

Eu ficava horas sozinha brincando no quintal de aventuras de minha avó. Tinha dois papagaios livres, um único pé de graviola, pitombeira e um " jirau" (acho que fosse o vão entre o piso e a casa, suspensa uns 2mts do chão). E sempre ouvia: Ela deve estar no jirau, essa menina é estranha!

E quanto mais rótulos eu ganhava, eles não percebiam que estavam fazendo de mim um instrumento curioso, porque ao mesmo tempo que me rotulavam, eu crescia como alguém que trabalhava para ser diferente, porque daquela forma eu tinha a atenção deles, de alguma forma sentia-me confusa com frequência, pois eu sempre pensei diferente dos outros, agi de forma incomum e principalmente entreguei, desejei, amei, decepcionei, odiei, muito mais intensamente que qualquer pessoa que tenha conhecido.
Eu era sem duvida um contraste social e estético. Minha avó tinha (in memoria) origens portuguesas e casou com meu avó de origens caboclas, a mescla com meu pai italiano (veio ao Brasil aos 12 anos) deu no que eu mesma sentia na pele a diferença. Meu avô tinha apartamentos alugados e lá moravam famílias simples e, os filhos dessas famílias eram meus mais intenso amor de vida. Eu sempre gostei de estar entre os pobres, qualquer que fossem, era lá, exatamente naquele convívio, que eu sentia as aventuras de correr livremente, mexer na lama, ver ratos, aranhas, subir em árvores, tacar pedras no rio, e tudo aquilo que hoje não vejo mais as crianças fazendo.
Eu amava tanto aquilo tudo, eu vi um suicídio, eu assistia a rinha de galos, conheci um "muthaco" (igual do Bruce Lee)...eu fui muito feliz naquela infância reprimida que tentavam, só tentavam em vão, não me deixar consumir.

Outros me achavam estranha por amar tanto assim. Acontece que nenhum sabia a verdade sobre mim, pois eu mesma ainda não havia descoberto: meus sentimentos sempre foram verdadeiros, mas nem sempre bons. Como vovó queria.

Deva ser por isso que não admiro tantas amizades femininas, deva ser por isso que amo estar ao lado de homens, qualquer que sejam, no intimo, me trouxeram experiências que nem mesmo homens ainda tenham vivido. E assim continuo, nessa mutação de alma instável, cheia de vicissitudes,  incoerente. 

Acontece que sou nada. Sou apenas a historia louca (p vovó) que nunca soube o que é amor.

Por que mesmo que eu sempre explico tudo?