Recebi este grande presente, uma revelação surpreendente para mim!
OBRIGADA C.G ..Via Gamboa rsrsrs
Adônis
No
registro de nascimento constava como filho de pai desconhecido e sobre sua
origem paterna sempre pairou certo mistério.
Já
era quase adulto quando descobriu ser fruto de uma espécie de incesto. Sua mãe, ao perder o pai na adolescência,
havia tido uma relação com o padrasto , o novo marido da mãe, sua avó.
Era
filho do homem que até então ele chamava de Avô.
Na mesma ocasião ficou sabendo,
também, que o médico que o havia trazido ao mundo, amante da mitologia grega e
conhecendo sua história, sugeriu à mãe que lhe desse o nome de Adônis.
Uma
pessoa reservada, de poucas palavras. O necessário, somente o necessário diz ele,
até hoje.
Foi
assim desde criança, não obstante sua
mãe tivesse feito o possível e o impossível para que ele se tornasse uma criança “normal”,
igual às outras.
Interpelado,
pela mãe e pelos professores, a todos surpreendeu, sempre, com a mesma resposta:
“eu prefiro escutar o silêncio”.
A natureza privilegiou Adônis com um corpo atlético, um tipo
de beleza serena, quase perfeita, que lhe confere um porte altivo, orgulhoso e uma
nobreza natural, que o faz merecedor do nome que tem. Traços esses dos quais se
utiliza para camuflar ou disfarçar, mais que uma natureza frágil, uma sensibilidade
fora do comum. Muitas vezes, por sentir
a nítida sensação de não caber em nenhum compartimento pré-determinado, não vê
outra alternativa a não ser a do isolamento.
Mais do que um estranho no ninho, Adônis sente-se, muitas vezes, um
estranho no mundo.
Com
o tempo, revelou-se um expert em silêncios. Conhece todos os tipos: os silêncios
de agora, os silêncios de outros tempos, os silêncios de outros lugares, os silêncios
dentro do silêncio.
Evita
e não aprova qualquer silêncio imposto pelo medo. Por exemplo, o silêncio
construído em cima de palavras não ditas, que ele conhece muito bem, porque é
muito comum, principalmente, nas relações familiares e que com o passar dos
anos, como que se revestindo de camadas sobre camadas de um material transparente,
permanece ali, a vista de todos, congelado, cristalizado, para sempre,
resultando num tipo de desconforto crônico.
Aprecia
muito, o silêncio singular, que pontua a expectativa que precede o início de um
espetáculo cênico. Normalmente, de
imediato ao último sinal, apaga-se a luz da platéia; então o som morre, dando
lugar ao silêncio absoluto, até o momento em que o palco se ilumina, ao mesmo
tempo em que o som renasce em forma de musica ou através da voz humana.
Ele
entende que é justamente nesse pequeno intermezzo, entre o último sinal e o
início do espetáculo, quando o silencio então se torna soberano, que se abre o
espaço para a magia da comunhão plena e perfeita, entre palco e platéia.
O silêncio
da mata, da montanha, o silêncio dos antigos cemitérios à beira da estrada, o
silêncio dos lugares ermos, das taperas, das casas velhas vazias, abandonadas,
o silêncio denso do deserto, onde esteve
uma única vez, o silêncio do templos religiosos, das ruínas, esses são os
preferidos de Adônis e onde ele costuma recarregar suas baterias.
Além
de grande amante dos silêncios , foi desenvolvendo, naturalmente, também, um
talento especial para descobrir, em lugares absolutamente isolados e
silenciosos, o ambiente ideal para alguns prazeres secretos e solitários.
Como
aquele parque de dunas, um pequeno deserto, entre a montanha e o mar, que ele
consegue ver da janela do seu quarto, no alto do morro. É um dos seus lugares prediletos e que no
outono, sobretudo nas noites de lua nova, quando o céu é todo estrelado, lhe
proporciona, como que em dois atos, momentos de raro prazer. Um dos seus
prazeres solitários e secretos.
Normalmente
no mês de maio, após as chuvas de março e abril, formam-se entre as dunas,
pequenas mas profundas lagoas, limpas,
cristalinas, de água da chuva.
Adônis
desce o morro ao entardecer, chegando num horário em que de hábito ninguém mais
passa por lá. O sol se pondo atrás das montanhas cobertas pela mata, em
oposição ao mar, oferece um espetáculo outonal de luz e cor púrpura de rara
beleza, ao qual o espectador assíduo, andando pelas dunas até anoitecer por
inteiro, assiste sempre embasbacado, como fosse a primeira vez.
A
noite, ao descer lenta, faz o tempo perfeito entre os dois atos.
Então
a brisa, como uma escultora invisível, tocando levemente a areia, levanta uma
tênue poeira que, tocada pelo azul noturno, torna-se aveludada, fosforescente,
quase prata, dando início, assim, ao segundo ato.
De
tão silenciosa, a paisagem é quase lunar e as e pequenas lagoas, como num passe
de mágica, transformam-se em gigantescos cacos de espelhos, de formas variadas,
e salpicados de estrelas , espalhados entre as dunas.
Adônis,
como de costume, sobe o cômoro mais alto, que forma a lagoa maior , mais
profunda e prepara-se para um instante quase de oração, despindo-se ,
lentamente, inclusive, da condição humana.
Em
seguida e totalmente nu, sentindo um leve arrepio pelo corpo todo e já com a
respiração alterada, é invadido pela
sensação do prazer pleno e sensual, que precede o momento de
gozo e ao ganhar asas, lança-se
no espaço, num mergulho-vôo,
quase cego, que de tão perfeito,
ao penetrar e fecundar a água, produz um ruído mínimo, igual ao do peixe
voador ou de uma lança.
Ao
vir à tona, extasiado, tem a nítida sensação de estar se banhando em retalhos
de firmamento que, ao desprenderem-se da abóbada celeste, em estado líquido,
colaram-se ao chão.
A temperatura dentro da água é tépida,
uterina.
E ele gosta de ficar lá...
... Para sempre!